sábado, 27 de abril de 2013

Que a dor traga a transformação Depois da tragédia, Santa Maria está mudando. Até a noite, agora, começa mais cedo

Maurício Araújo  |  Especial Neste sábado, completam-se três meses de uma manhã em que Santa Maria despertou chacoalhada pela maior tragédia que o Estado já enfrentou. Há pouco mais de 90 dias, enfrentamos a dura realidade de conviver com a dor provocada pelo incêndio na boate Kiss, seus 241 mortos e mais de 600 feridos. Neste momento, o Coração do Rio Grande tenta retomar a vida normal e a rotina, mas já tivemos tempo para entender que nada será como antes. De lá para cá, diversas mudanças aconteceram aqui e em todo o país. Nossa comunidade segue pesarosa, mas quer (e está conseguindo) reagir. A tragédia, de uma maneira dura e triste, deixa lições, mas também impulsiona transformações e modificações.
Os legisladores, nos níveis federal, estadual e municipal, agora se preocupam em criar um código de prevenção a incêndio menos confuso e mais unificado e objetivo. Comissões na Câmara dos Deputados e nos parlamentos gaúcho e municipal estudam as legislações vigentes e revisam os códigos de segurança na intenção de padronizá-los e torná-los mais transparentes e rígidos. A Câmara de Vereadores de Santa Maria instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis irregularidades do poder público. Do outro lado, familiares das vítimas e sobreviventes da tragédia fundaram uma associação, com o objetivo de não deixar a dor cair no esquecimento e para cobrar explicações.
A fiscalização, em todo país, endureceu com as danceterias. Chegou a hora de regularizar os estabelecimentos como boates e clubes e garantir a segurança dos frequentadores. Por 30 dias após a tragédia nada funcionou na noite santa-mariense – era o luto oficial decretado pela prefeitura e o momento de uma intensa fiscalização.
O jornalista americano G. Wayne Miller, do Providence Journal, que cobriu a tragédia na boate The Station, na cidade de West Warwick, em Rhode Island, nos Estados Unidos, afirma que, lá, as pessoas lá estão mais atentas às portas de saída e à segurança quando estão em locais fechados. A tragédia americana, em fevereiro de 2003, matou cem pessoas e deixou mais de 200 feridas. Passados 10 anos do acontecimento, o jornalista afirma que os jovens de hoje – crianças naquela época – já não têm mais as mesmas preocupações daquela geração. Quem viveu a tragédia mudou hábitos e costumes. Em Santa Maria, também estamos mais vigilantes.
Conforme Miller, os códigos de incêndio de Rhode Island estão mais rigorosos. A mudança foi aprovada poucos meses após o incêndio, “em uma velocidade incomum”. A fiscalização também ficou mais rígida e foi reforçada, na intenção de garantir que tragédias como essas nunca mais ocorram.
– Novas leis e uma supervisão mais rigorosa têm sido fatores importantes aqui, não há dúvida, mas o maior fator de cura tem sido como parentes e amigos das vítimas se uniram, dando suporte uns aos outros e certificando-se de que suas lições nunca serão esquecidas – afirma Miller.
MUDANÇAS, SIM, MAS AINDA NOS PRIMEIROS PASSOS

Embora a busca por responsabilizações e para ver as alterações na prática ainda parece tímida em Santa Maria, em três meses, já é possível perceber avanços. Estamos mais vigilantes com a nossa segurança, as legislações estão mudando, e a fiscalização já é mais intensa, embora as autoridades não admitam.
Nossas movimentações podem parecer muito incipientes diante do que aconteceu na Argentina – as famílias das vítimas da boate Cromañón (que incendiou em 2004, matando 194 pessoas) foram às ruas cobrar mudanças e responsabilizações. Mas, ao nosso modo, estamos lutando.
A doutora em Psicologia da Educação e professora de filosofia existencial da PUC-SP Dulce Critelli afirma que isso pode ser justificado pela característica dos brasileiros de não se preocupar com o todo, mas apenas consigo. Segundo ela, o Brasil é um país que apoia esse comportamento de individualidade e aceitação dos fatos, sem cobrar por medidas e explicações. Por esses motivos, ressalta a especialista, raramente obtemos um resultado concreto e efetivo quando buscamos respostas.
– Não podemos esperar nada de diferente de um povo que cultiva a individualidade e não se interessa pelo todo. O que ocorre conosco em relação a vários acontecimentos e, inclusive, a este, é que não temos consciência do que é público e de interesse geral.
Nas páginas 16, 17 e 18, você confere o que mudou em Santa Maria em termos de comportamento, legislação e fiscalização. Nunca esqueceremos, mas precisamos ir em frente e cobrar que tudo seja diferente.
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A corrida pela fiscalização

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